Aí o moleque nasce miserável.
Nasce bem pra lá de onde Judas,
um dia, dizem, perdeu as botas. Nasce numa família com outros – sei lá quantos –
miseráveis.
Cresce miserável, mas por uma
força qualquer, que é maior que ele mesmo, rompe a própria miséria e sai de lá,
vai pra cidade grande, começa a trabalhar e, como milhões, não estuda, mas
aprende uma profissão. Não estuda porque pobre, no país onde o moleque nasceu
nunca pôde estudar, mesmo, mas teve uma profissão.
E o moleque miserável vira
sindicalista, líder de outros trabalhadores que não aceitam ser explorados por
aqueles que, por não nascerem na miséria, puderam estudar, puderam se doutorar
e se acharem, então, no direito de explorar os outros. E o menino, já crescido
então, funda um partido, o partido dos trabalhadores, vai preso, é torturado, é
solto, é candidato – uma, duas, três vezes e só ganha quando muda o discurso,
quando muda a aparência. Quando deixa de parecer miserável, quando deixa de
parecer trabalhador e sindicalista. Só ganha quando o povo não o enxerga mais
como povo. Porque povo é tão burro que não elege povo. Povo está tão acostumado
a tomar no cu que gosta, mesmo, é de eleger dominante. Então, quando o
miserável vestiu terno e gravata, começou a falar como dominante, então, ele
venceu eleição, virou presidente.
Mas pra fazer pelo povo, o
presidente viu que precisava se juntar com quem ele sempre combateu. Precisava
fazer aliança com os inimigos. E fez. Fez porque tinha um objetivo maior. Um
compromisso com a sua própria história. Erros há, houve e haverá sempre – ainda
bem. Pois o menino miserável, agora de terno e gravata é humano e bem humano.
Elegeu-se de novo e eleger-se-á
quantas vezes mais se candidatar.
Hoje o menino pobre é
MUNDIALMENTE aclamado, reconhecido, premiado, homenageado. O mundo o aplaude, o
mundo o respeita. Ele só não é respeitado no seu próprio país, pelo seu próprio
povo. Não por todos, é claro, mas por uma minoria recalcada, por uma pseudo
elite ignorante, alienada, burra, estúpida que absorve o discurso do dominante
e acha que lugar de pobre ainda é na senzala. Esse pessoal não se conforma que
nosso moleque pobre permitiu que o filho
da empregada chegasse à universidade, não se conforma que o motorista do homem
rico, hoje, pode dirigir o seu próprio carro zero. Não se conforma em ter que
admitir que o proletário semianalfabeto, como eles adoram dizer (sem ter o
menor fundamento científico sobre letramento e alfabetização), levou o país a
um equilíbrio econômico, social e político como nunca visto antes.
Agora têm que engolir que o
nordestino ignorante, pobre, sindicalista tem título pela Sorbonne, tem prêmio
Nelson Mandela e tem coluna no New York Times dentre tantas outras honrarias. O
que me impressiona é ver pobre falando mal do Lula. Quando vejo um magnata
tecendo comentários preconceituosos sobre ele me calo, o cara, afinal, está
defendendo interesses legítimos, agora um pobre, ou classe média – é burrice
pura. É alienação do pior tipo. Quem não sabe, explico: alienação tem a ver com
‘alien’, ‘alienígena’ – isto é – absorção do discurso do outro – do estrangeiro
– é assim: eu passo a pensar como alguém que não sou eu. Fico, por exemplo,
assistindo aos programas imbecilizantes da rede esgoto e de outras piores, ou
lendo as porcarias da Revista “Veja que Merda” e vou absorvendo e saio, por aí,
reproduzindo esses discursos como se fosse verdade, como se aquilo me
representasse. Ex.: certa vez vi um imbecil, na minha cidade, Ilha Solteira, interior de São Paulo, falando
mal do movimento sem-terra, o coitado não tinha sequer um terreno no cemitério
pra cair morto... e falava dos sem-terra. Isso é alienação. Se um latifundiário
estivesse fazendo o mesmo discurso era um discurso válido, mas um pobre
coitado, não, é burrice mesmo.
Cada um é livre para ter opinião,
claro. Vivemos numa democracia, aliás, graças a esforços de pessoas como a
Dilma, que lutaram contra a ditadura. Podemos não gostar do Lula, claro. O que
não podemos é negar os avanços explícitos, escandalosos, óbvios dos seus dois
mandatos. Negar tudo isso, repito, é estupidez, é a velha história do ‘pior
cego é o que não quer ver’. Como professor universitário há mais de dez anos,
eu vi a mudança nos bancos da graduação, vi alunos chegando pra estudar
advindos de classes sociais que não teriam a menor chance de um diploma, antes
de programas como o PROUNI e o FIES.
Acusam-no de corrupção. É o mesmo que acusar o médico que descobriu a
doença que há muito afligia o paciente – veja, o Brasil não começou a ter
corrupção em 2002, isso é ridículo, é burrice de novo. Há séculos, sofremos com
corrupção. O que está acontecendo é que isso está vindo à tona como nunca
antes. Alguns vão preferir culpar o médico pelo câncer ou culpar a Deus ou ao
capeta, sei lá - isso é covardia. O fato
é que nós somos um povo corrupto e que estamos, lenta e dolorosamente,
aprendendo a mudar isso. O famoso “jeitinho brasileiro” – se você vai ao SUS e
conhece alguém lá dentro, diga se não vai tentar conseguir adiantar o dia da
sua consulta, não vai tentar facilitar a sua vida... então, isso é corrupção...
está na alma do brasileiro - mas é muito
mais fácil acusar o Lula – bota a culpa no nordestina pobre. Enquanto mais de
600 denúncias de corrupção foram engavetadas no governo FHC, enquanto o
mensalão do PSDBosta até hoje não é investigado, as denúncias do governo
LULA/DILMA estão aí sendo todas esmiuçadas.
O fato é que o mundo percebeu o
quanto o Brasil cresceu nos últimos 10 anos. O mundo viu o país que éramos e o
país que somos. O mundo viu que o grande sociólogo, Dr. FHC, não conseguiu
fazer o que o simples metalúrgico fez e porque o sociólogo estava preocupado em
vender o Brasil, em agradar aos Estados Unidos.
Aliás, este é um ponto chave em
tudo isso. Até 2002, o Brasil fazia negócios, basicamente só com os Estados
Unidos, hoje, negociamos com o mundo todo.
Sei que muito tenho estudado e
muito mais estudarei na minha vida – muito mesmo – mas sei que devo morrer sem
uma coluna no New York Times, provavelmente. Provavelmente, também, sem um
título da Sorbonne, mas inveja é uma coisa feia, não é? O que o menino pobre,
sindicalista, melhor presidente da república do Brasil de todos os tempos
conseguiu é mérito dele, parabéns a ele, ao seu esforço. Que nós busquemos
seguir seu exemplo e conquistar, também, nossas vitórias, em vez de invejá-lo e
tentar diminuir o seu tamanho. Lula é um homem que fez muito mais pelo
Brasil do que mil Pelés jamais farão.