Existe uma miséria que é mais
avassaladora que a miséria da fome. Eu falo da miséria absoluta do
conhecimento.
Não imagine você que falo de
algum tipo de conhecimento acadêmico, escolar. De modo algum. Sequer falo de
conhecimento advindo de leitura. Falo de um conhecimento mais profundo, mais
enterrado dentro de nós.
Eu esto falando do próprio
conhecimento de que somos gente.
Esta é a miséria mais absoluta
que há. A miséria de quem sequer sabe que existe. De quem não tem conhecimento
nenhum além da necessidade urgente da subsistência - da sobrevivência. Esses
miseráveis estão no limiar da humanidade, vivendo na fronteira entre o humano e
o animal. Falam como homens, andam de forma ereta, possuem afeto, mas o que
domina suas ações, suas decisões ainda é o instinto. Não são seres racionais,
são, antes, seres instintivos, seres urgentes.
Esta miséria desumaniza porque ela tira do homem aquilo que o faz ser homem: a consciência de ser algo que transcende o animal.
O miserável de alma - este de que
agora eu falo - vê o animal morrer de fome e não vê diferença entre a fome dele
e a sua: são dois animais morrendo da mesma fome. A miséria da alma mata mais
que qualquer fome e é mais cruel, posto que deixa vivo o morto que ela mata.
Dar a este miserável alguns
trocados por mês não vai matar a miséria em sua alma, vai, quando muito,
diminuir a fome de sua barriga, a sede de sua garganta. A miséria de sua alma
vai precisar, ainda, de muitas vidas pra morrer.
Mas não é por isso que um governo
vai negar ao miserável a chance de não morrer de fome nesta vida.
Salvar alguém com trinta e poucos
anos, com sete filhos, em uma casa de taipa no interior do Piaui (ou de
qualquer Estado) da miséria da alma exigiria do governo um programa que
incluísse nascer de novo e começar tudo outra vez - o que com nossa tecnologia
atual, ainda não é possível. Matar a fome dessa mulher e de seus sete filhos,
por outro lado, talvez seja.
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