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domingo, 20 de janeiro de 2013

VAI TOMAR BANHO, PEDRINHO!




Minha mãe só sabe ver televisão, o dia inteiro. E o pior é que ela vai virando as coisas que ela vê. De manhã, ela acorda cozinheira. Mal se lava e na cozinha, enquanto prepara o café, vai apresentando os ingredientes, descrevendo o modo de preparo e quando meu pai grita no banheiro ou no quarto – perdido entre as roupas desorganizadas no armário (cenário para o programa da noite), ela sorri para o canto escolhido pra ser a câmera e diz: “Não saia daí, voltamos já, logo depois dos nossos comerciais”. No começo, eu tentava seguir o olhar dela, em busca de alguma coisa, de alguém, algo que pudesse sair dali enquanto ela não voltava. Agora já desisti. Toda manhã, a mãe conversa com essa pessoa e pede a mesma coisa – não saia daí, voltamos já – voltamos quem? Ora, se ela foi sozinha lá no quarto? Voltamos?!? Ela volta!
                - Voltamos. Como eu estava dizendo, minha amiga. Depois de espalhar bem a manteiga pelo pão. Não esqueça: é importante ter uma camada bem homogênea de manteiga sobre o pão, ok? Então, feito isso, você já pode levar ele pra frigideira. Deixe em fogo baixo e após alguns minutos, vire o pão com o lado da manteiga pra baixo. Deixe derreter um pouco e pronto. Está feito o seu pão na chapa! Hum! Que delícia! Amanhã eu ensino outra receita maravilhosa!
                Ao livrar-se do marido, dos outros filhos e de mim, esquecido em algum canto, ela vai pra TV e lá passa o resto da manhã. Mas ela não é dessas que assistem aos programas, simplesmente. Não, ela participa. Sim, ela manda e-mail com perguntas – como é que eu faço pra saber se minha unha encravada está contaminando a unha do dedo vizinho?  Liga nos programas infantis para competir com as crianças: eu escolho o ratinho da esquerda... é, o da esquerda... vai vai vai vai vai vai vai vai uh uh uh uh uh uh uh uh !!!! Ganhei Ganhei Ganhei!!!!! Eu quero uma boneca uma boneca uma boneca uma boneca... Ahhhhh!!! Tá bom, eu gosto de jogar dominó também, quando eu não estou assistindo televisão. Tchau, gente, beijo. Adorei.
                Na hora do almoço, ela se divide entre as notícias locais e as séries importadas. A vizinha é que vem falar das notícias locais – Não, dona Almerinda, eu não sabia! Não acredito, quer dizer então que a filha da tia da cunhada da vizinha da irmã da senhora tentou participar do big brodi e não conseguiu? Só porque ela é feia?! Ai que gente horrorosa, não é, dona Almerinda? Que horror! Mas ela é muito feia, mesmo? Ah, é! Ah, então tá certo, né, dona Almerinda, tá certo... eu mesma, olha, eu não gosto de ver gente feia na televisão não. Ah, não, de feia já basta eu, meus fio, meu marido, ah, não. Na novela, por exemplo, a senhora já viu alguém feio na novela? Hein? Só se for pobre! É. Pobre, eles põem feio, mas rico? Imagina! Rico é tudo lindo, minha filha! Ah, não dona Almerinda... e ainda no big brodi... tem que ser bonita, mesmo. Falando nisso, a senhora viu quem foi eliminada ontem? É, aquela piranha, vagabunda, ordinária... sim, aquela que tava dando em cima do menino que é gay, mas que acha que não é mais gay, sabe? Não, dona Almerinda, esse é o que está virando gay agora... eu tô falando do outro, do gordinho, que era gay – tinha até namorado, minha filha – é, o mundo tá moderno – mas agora disse que não é mais gay não. Então, a ordinária, cachorra, tava dando em cima dele. Coitado do namorado! Apareceu o coitadinho, fiquei com dó! Sabe, tem o cabelo igualzinho o do Neymar, mas tem luzes, sabe? Tão bonitinho! Magrinho! Lindo! Ele é que tinha que estar lá no big brodi e não o gordinho. Chorava, coitado... nunca vi, nem mulher chora daquele jeito. Mas a vaca foi eliminada... eu, a senhora sabe, dona Almerinda, tô torcendo pro moço que tá virando gay, sabe? Eu acho tão bonito isso de ser gay e de assumir, né? Hum? Se meu filho for gay? Ai, eu mato o desgraçado! Onde já se viu, filho meu, viado? Mas na TV é tudo de mentira, no big brodi, lá todo mundo come todo mundo... e é tudo lindo... Na televisão, Dona Almerinda, até eu beijava muié, minha filha... hehehe. Ai, dona Almerinda, agora eu vou fazer o almoço, daqui a pouco meus catarro tão chegando da escola.
No almoço, em geral, repete-se a cena do café da manhã, mas agora com algum convidado especial às vezes.
                - Hoje estamos recebendo o amigo do meu filho mais velho. Ele veio almoçar aqui e vai experimentar nosso inesquecível, incomparável couve refogado com ovo frito. Sim, eu tenho certeza que ele nunca comeu nada igual... Vamos começar a receita.
                - Mããããããeeeee!!!
                Depois vem a novela que já passou no horário das outras novelas – mas alguém achou que não foi suficiente e está passando de novo. Depois o filme. Ou a novela do outro canal ou o desenho do outro canal. Ou tudo junto. Às vezes, ela assiste só o comercial. Aí ela briga com o produto: Mentira, mentira, mentira!!! Tudo mentira, meu filho! Esse descascador de batata não faz nada disso não, inferno! Eu sei que não faz, não adianta ficar aí na televisão mentindo pra mim não. Acha que só porque está na televisão, só porque é bonitão eu vou comprar as coisas. Não vou. Não vou. Hum? O quê? Ah, é? Mas ele faz tudo isso mesmo! Olha lá, hein! Ele descasca nessa velocidade? Não acredito!!!!
                - Amor, eu preciso comprar um descascador de batata! Eu preciso! É questão de vida ou morte! Sua morte, meu bem! Ou você me dá esse descascador de batata ou você vai ser eliminado do meu big brodi hoje à noite. Falando nisso, cadê o Pedrinho? Oh, moleque desgramado pra fugir! Vive inventado herói na cabeça dele! Pedrinho!!! Pedrinho!!! Vai se limpar, cão, vai, que você está sujo, nojeira! E para com essa mania de chamar qualquer um de herói, bicho besta! Vai tomar banho, Pedrinho!




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