Minha mãe só
sabe ver televisão, o dia inteiro. E o pior é que ela vai virando as coisas que
ela vê. De manhã, ela acorda cozinheira. Mal se lava e na cozinha, enquanto
prepara o café, vai apresentando os ingredientes, descrevendo o modo de preparo
e quando meu pai grita no banheiro ou no quarto – perdido entre as roupas
desorganizadas no armário (cenário para o programa da noite), ela sorri para o
canto escolhido pra ser a câmera e diz: “Não saia daí, voltamos já, logo depois
dos nossos comerciais”. No começo, eu tentava seguir o olhar dela, em busca de
alguma coisa, de alguém, algo que pudesse sair dali enquanto ela não voltava. Agora já desisti. Toda manhã, a mãe conversa com essa pessoa e pede a mesma coisa – não saia
daí, voltamos já – voltamos quem? Ora, se ela foi sozinha lá no quarto?
Voltamos?!? Ela volta!
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Voltamos. Como eu estava dizendo, minha amiga. Depois de espalhar bem a manteiga
pelo pão. Não esqueça: é importante ter uma camada bem homogênea de manteiga
sobre o pão, ok? Então, feito isso, você já pode levar ele pra frigideira.
Deixe em fogo baixo e após alguns minutos, vire o pão com o lado da manteiga pra
baixo. Deixe derreter um pouco e pronto. Está feito o seu pão na chapa! Hum!
Que delícia! Amanhã eu ensino outra receita maravilhosa!
Ao
livrar-se do marido, dos outros filhos e de mim, esquecido em algum canto, ela vai
pra TV e lá passa o resto da manhã. Mas ela não é dessas que assistem aos
programas, simplesmente. Não, ela participa. Sim, ela manda e-mail com
perguntas – como é que eu faço pra saber se minha unha encravada está
contaminando a unha do dedo vizinho? Liga
nos programas infantis para competir com as crianças: eu escolho o ratinho da
esquerda... é, o da esquerda... vai vai vai vai vai vai vai vai uh uh uh uh uh
uh uh uh !!!! Ganhei Ganhei Ganhei!!!!! Eu quero uma boneca uma boneca uma
boneca uma boneca... Ahhhhh!!! Tá bom, eu gosto de jogar dominó também, quando
eu não estou assistindo televisão. Tchau, gente, beijo. Adorei.
Na
hora do almoço, ela se divide entre as notícias locais e as séries importadas.
A vizinha é que vem falar das notícias locais – Não, dona Almerinda, eu não
sabia! Não acredito, quer dizer então que a filha da tia da cunhada da vizinha
da irmã da senhora tentou participar do big brodi e não conseguiu? Só porque
ela é feia?! Ai que gente horrorosa, não é, dona Almerinda? Que horror! Mas ela
é muito feia, mesmo? Ah, é! Ah, então tá certo, né, dona Almerinda, tá certo...
eu mesma, olha, eu não gosto de ver gente feia na televisão não. Ah, não, de
feia já basta eu, meus fio, meu marido, ah, não. Na novela, por exemplo, a
senhora já viu alguém feio na novela? Hein? Só se for pobre! É. Pobre, eles
põem feio, mas rico? Imagina! Rico é tudo lindo, minha filha! Ah, não dona
Almerinda... e ainda no big brodi... tem que ser bonita, mesmo. Falando nisso,
a senhora viu quem foi eliminada ontem? É, aquela piranha, vagabunda,
ordinária... sim, aquela que tava dando em cima do menino que é gay, mas que
acha que não é mais gay, sabe? Não, dona Almerinda, esse é o que está virando
gay agora... eu tô falando do outro, do gordinho, que era gay – tinha até
namorado, minha filha – é, o mundo tá moderno – mas agora disse que não é mais
gay não. Então, a ordinária, cachorra, tava dando em cima dele. Coitado do
namorado! Apareceu o coitadinho, fiquei com dó! Sabe, tem o cabelo igualzinho o
do Neymar, mas tem luzes, sabe? Tão bonitinho! Magrinho! Lindo! Ele é que tinha
que estar lá no big brodi e não o gordinho. Chorava, coitado... nunca vi, nem
mulher chora daquele jeito. Mas a vaca foi eliminada... eu, a senhora sabe,
dona Almerinda, tô torcendo pro moço que tá virando gay, sabe? Eu acho tão
bonito isso de ser gay e de assumir, né? Hum? Se meu filho for gay? Ai, eu mato
o desgraçado! Onde já se viu, filho meu, viado? Mas na TV é tudo de mentira, no
big brodi, lá todo mundo come todo mundo... e é tudo lindo... Na televisão,
Dona Almerinda, até eu beijava muié, minha filha... hehehe. Ai, dona Almerinda,
agora eu vou fazer o almoço, daqui a pouco meus catarro tão chegando da escola.
No almoço, em
geral, repete-se a cena do café da manhã, mas agora com algum convidado
especial às vezes.
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Hoje estamos recebendo o amigo do meu filho mais velho. Ele veio almoçar aqui e
vai experimentar nosso inesquecível, incomparável couve refogado com ovo frito.
Sim, eu tenho certeza que ele nunca comeu nada igual... Vamos começar a
receita.
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Mããããããeeeee!!!
Depois
vem a novela que já passou no horário das outras novelas – mas alguém achou que
não foi suficiente e está passando de novo. Depois o filme. Ou a novela do
outro canal ou o desenho do outro canal. Ou tudo junto. Às vezes, ela assiste
só o comercial. Aí ela briga com o produto: Mentira, mentira, mentira!!! Tudo
mentira, meu filho! Esse descascador de batata não faz nada disso não, inferno!
Eu sei que não faz, não adianta ficar aí na televisão mentindo pra mim não.
Acha que só porque está na televisão, só porque é bonitão eu vou comprar as
coisas. Não vou. Não vou. Hum? O quê? Ah, é? Mas ele faz tudo isso mesmo! Olha
lá, hein! Ele descasca nessa velocidade? Não acredito!!!!
-
Amor, eu preciso comprar um descascador de batata! Eu preciso! É questão de
vida ou morte! Sua morte, meu bem! Ou você me dá esse descascador de batata ou
você vai ser eliminado do meu big brodi hoje à noite. Falando nisso, cadê o
Pedrinho? Oh, moleque desgramado pra fugir! Vive inventado herói na cabeça
dele! Pedrinho!!! Pedrinho!!! Vai se limpar, cão, vai, que você está sujo,
nojeira! E para com essa mania de chamar qualquer um de herói, bicho besta! Vai
tomar banho, Pedrinho!
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