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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

DUAS VOZES





Enquanto eu esperava, sozinho, no corredor, ouvi duas vozes e um nome. Não conheci as vozes, mas o nome sim – Rosa.
Estavam falando da minha avó. Tentei parar de respirar para aumentar o silêncio e ouvir melhor o que eles diziam. Percebi que eram médicos e, depois disso, só percebi mais uma palavra: Câncer.
Desliguei.
No cemitério, ouvi, de novo, duas vozes. Estavam atrás de mim. Longe a ponto de pensarem que eu não as ouvia, mas perto a ponto estrondarem dentro de mim. Falavam meu nome, agora, e também o de minha avó.
De repente, pareceu-me que todos os outros tinham – cada um – escolhido uma cova e nela se escondido, porque o silêncio ficou maior que a morte e eu pude, então, ouvir com clareza o que as duas vozes despejavam.
As vozes pertenciam a duas velhas. E o assunto era eu, meu namorado que segurava minha mão em silêncio e o câncer que matou a minha avó. Ouvi quando uma disse que câncer é assim mesmo-é desilusão, desgosto, sofrimento.a pessoa cria seu próprio tumor.no caso da dona Rosa, o tumor dela é esse menino, esse desgosto.e ainda vem no enterro da avó com o outro do lado.deus me livre!coitada!
Pensei em desenterrar todos de suas covas confortáveis e gritar que minha avó adorava o Eduardo e que nós três passávamos horas ótimas ao redor da mesa, com seu café fresquinho, seu bolo de cenoura (o favorito do Eduardo) e que até viajamos juntos, uma vez, para o sítio dos pais dele. Ela estava tão linda e tão feliz. Dentro de um vestidinho cor de rosa com flores – ela era um jardim e os colibris até vinham beijá-la de tão linda! Mas eu não tive forças. Foi o Eduardo que cuidou de mim. E foi o Eduardo que respondeu por mim.
Eduardo escrevia. Sua resposta não foi para as duas velhas nem para as pessoas nas covas. Sua resposta foi para o mundo. Hoje encontrei o jornal onde ele publicou sua resposta.
Estranho! Faz tanto tempo e parece que foi ontem...

“Quanto tempo dura um câncer ideológico? No caso do que a deturpação do Cristianismo fez em relação à homossexualidade são quase dois mil anos. Ao redor de todo o mundo, homossexuais ainda são espancados e mortos – lutando pelo direito mais simples do mundo: o de viver suas próprias vidas. Direito este que até os insetos têm, desde que não encontrem pela frente uma besta chamada homem.
Quantas perdas!
Foram milhões de pessoas mortas nesses dois mil anos.
Quanto a humanidade perdeu! Desses milhões, quantos seriam grandes pintores, excelentes compositores, músicos maravilhosos, cientistas fabulosos (descobrindo curas para doenças, entendendo melhor nossa sociedade, nossa psique, nossas crianças, a nós mesmos). Quantos seriam excelentes médicos, advogados, engenheiros, políticos (honestos, inclusive). Quantos poetas! Quanto nós todos perdemos! Quantos comerciantes, empresários, artesãos! Quantos filósofos, historiadores, matemáticos! Quanto todos nós perdemos! Todos. E esses milhões morreram porque dentro de suas casas, de seus quartos, na intimidade de suas vidas, eles eram felizes com alguém do mesmo sexo – eis o seu grande crime – amar outro ser humano.
Milhões morreram em nome da bestialidade e da ignorância. Bestialidade de alguns que se julgam superiores porque, também, na intimidade de suas vidas, enfiam seus pênis em vaginas (e por isso são superiores). E ignorância de outros que passam a vida toda lendo o mesmo livro, também escrito há mais de dois mil anos e vão morrer sem entendê-lo.
Ao pensar em tudo isso, fica difícil não desenvolver um sentimento que nivelaria tudo e colocaria todo mundo na mesma corja: o sentimento de heterofobia. Ainda bem que sempre houve e sempre haverá uma maioria que, independente de sua orientação sexual e de sua religião, é suficientemente esclarecida para perceber que o que duas pessoas fazem dentro de suas vidas só diz respeito a elas duas e que a sexualidade de alguém é apenas um aspecto de sua pessoa e não a sua pessoa toda. Ser homossexual soma-se a ser brasileiro ou italiano, a ser homem ou mulher, alto ou baixo, médico ou carpinteiro, destro ou canhoto, inteligente ou fanático, melhor em exatas ou em humanas, branco ou negro, enfim, a inúmeras outras características físicas, psicológicas, sociais, geográficas, humanas, históricas que nos compõem a todos enquanto seres humanos.”
Eduardo, por amor ao meu Cristiano.

Um comentário:

  1. Puxa Lê, espetacular falou e disse...essa bestialidade existencial é podre, se escondem por trás de suas vestes dizendo ser maioral, de fato o mundo está infectado de tumores "malignos". a SOCIEDADE esta doente, sabe a falta de respeito pelo "ser humano". Estamos vivenciando "A CRISE EXISTENCIAL", no qual fio condutor da busca pela identidade se perdeu, muitos não querem ter auticidade pq é mais fácil seguir uma convenção preconceituosa, " o suposto machão, ou o certo homen e mulher", muitos fazem coisas horrendas e isso é normal para eles e Anormal é ser diferente, de fato temos que acordar e polemizar, essa sociedade cega e petrificada que só enxerga seu umbigo através dos outros.

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