Trocava a
bolsa de lado. Constantemente. Cruzava a alça sobre a camiseta um pouco
mais curta que o convencional, depois descruzava pra cruzar novamente na
próxima esquina.
Ia falando
sozinho. Na verdade, ia escrevendo na mente o próximo diálogo. O último, segundo ele. Tinha saído
do cinema antes do fim da sessão. Decidido a decidir tudo naquele dia. Seus
passos traduziam na calçada larga da Paulista toda a sua decisão. Enquanto
esperava o homenzinho no sinal ficar verde, roía as unhas bem feitas na tarde
anterior. Na verdade, não roía as unhas, só a base – nem a base, roía - sim - a
própria ansiedade.
Do outro lado
da rua (e deste também, na verdade) o dia, acelerado como de costume na
metrópole, ia se vestindo de noite. E ali, naquela região de São Paulo, a noite
ganhava brilhos muito diferentes quando o sol se retirava. Bem maquiada, a noite invadia a calçada, as lojas e as pessoas. Agora
todos tinham cores diferentes e mesmo os barulhos dos pés dentro dos sapatos
eram outros. Enfim, esverdeou o homenzinho no farol e Luis atravessou a rua. Não
estava só, embora estivesse absurdamente só. Seus passos rápidos acabaram por
isolá-lo ainda mais dentro da sua solidão – as pessoas do lado de fora de sua
vida iam ficando pra trás.
Não sei dizer
se, voluntariamente ou não, seus quadris dançavam baião enquanto ele andava,
sua bolsa continuava indecisa entre estar cruzada ou não. Como suas pernas
quando esperava Paulo chegar no outro dia – na última conversa: acho que não dá
mais;como assim?a gente já tentou de tudo, eu não confio mais em
você.bobagem!bobagem, você só sabe dizer isso!não precisa alterar a voz!estou
cansado de ser sempre quem altera a voz, estou cansado de te ver sempre assim bem
comportado.chega! Era sempre com um ‘chega’ que a conversa chegava ao fim,
aliás, que nunca chegava ao fim. Mas Luiz estava decidido a pôr, de vez, um
ponto final nas reticências.
A larga
avenida foi sendo deixada pra trás. O homenzinho no sinal ainda estava verde
quando Luis pôs o último pé na calçada do outro lado e a bolsa resolveu enfim
descruzar-se. O passo não era mais tão firme. Fora de Luis, uma
brisa começava a assobiar. O ponto final de Luis não foi Luis quem pontuou. Ele
não viu, ansioso em roer a ansiedade em suas unhas, mas nunca esteve só
enquanto dançava seu baião no meio da Paulista. Sua bolsa era observada
enquanto mudava indecisa de lá pra cá. Passos mais decididos que os seus o
seguiam – cada vez mais perto – e tão perto chegaram que o alcançaram antes do chega
de Paulo, antes de qualquer outro chega, antes do fim.
Deixaram Luis
caído sem baião. A bolsa – indecisa – enfim decidiu-se: ficou ao lado do corpo.
Ao lado do corpo que ninguém viu.
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